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17 de mar. de 2010

Preito aos meus amigos.


Fabrício Carpinejar - Preito aos meus amigos.


O amigo é aquele que tem todos os motivos para desistir de você e não desiste.

Você fez por merecer a separação. Exagerou. Afastou o abraço, gritou que ele não o compreende. Mas o amigo entende até na incompreensão. Aguarda entender.

Eu preciso de um amigo que não me renuncie quando já desisti. Que me lembre de não desistir. Que seja insistente como o esquecimento dos velhos. Que desperte o meu humor no desespero, que se desespere com a ausência de notícias.

Um amigo que não numere as páginas do livro. Toda página pode ser a mesma.

Um amigo que sopre meu rosto perto de sua boca, como uma gaita de mão.

Um amigo capaz de esconder seu amor para proteger a amizade e de me aconselhar a seguir o que ele tinha vontade.

Um amigo que desconheça minha infância para repeti-la, que conheça minhas dores para não tocá-las, que assobie minha alegria para alardeá-la. Que não me torture com os meus defeitos. Que me perdoe por não ser como ele. Aliás, que me agradeça por não ser igual a ele.

Um amigo que não use meus segredos para ganhar outros amigos. Um amigo que abra o vidro do carro para apanhar o resto do céu. Que cante alto no volante no momento em que ansiava pelo silêncio e me obrigue a dispensar a timidez para desafinar junto. Na estrada, o vento também canta de olhos fechados.

Um amigo com cheiro de cortina. Isso: cheiro de cortina, com a experiência de enrolar várias e várias vezes o corpo na cortina. E que tenha recebido beijos dos pais com o tecido arregalado no rosto. Quem se escondeu na cortina deu giros dentro de si e de seus problemas e aprendeu a regressar.

O amigo do primeiro desejo, não do último.

O amigo que não me espera no recreio, o amigo que me espera no final da aula.

O amigo que é a haste do mar, que não fica de pé no barco, para não desequilibrá-lo.

Não quero um amigo que fuja na primeira ofensa, que se isole ofendido num canto, amarrado no orgulho, condicionado às palavras.

Um amigo que não fale por mim, que fale através de mim.

Não quero um amigo que me ofenda porque não atendi suas expectativas.

Amigo não tem expectativa, tem esperança. O amigo vai procurá-lo não sendo necessário. Vai aumentá-lo enquanto está diminuído e vai diminuí-lo para preveni-lo da ambição.

O amigo é do contra ao seu lado. O amigo dirá as verdades por respeito, não se eximirá de opinar, tudo com zelo e contenção.

Não abandonará a corda da pandorga ainda que ela sirva de fio telefônico para chuva.

Tive amigos que se fecharam, desapareceram, que me trocaram por uma fofoca, que chegaram à porta e recuaram ao portão. Esses amigos não foram amigos, se é amigo só depois da amizade.

Depois de sofrer com a amizade.

O amigo é como um irmão, que se briga feio, se discute aos pontapés e palavrões e volta a se falar. Volta a se falar porque é irmão.

O amigo sempre volta. Pensando bem, não volta, nunca saiu do lugar.

Ele é a rua que atravesso para chegar em casa.

Aos meus amigos...

1 de mar. de 2010

Gosto de ficar doente.


Pensando em pessoas que sofrem, em países destruídos por catástrofes naturais e ações paleativas quando não é possível caminhar com as próprias pernas, alguns pensamentos vieram em minha mente.

O “Eu” aqui é metafórico.

Acontece com todos, é sempre do mesmo jeito, a vida toda em todo o tempo e em todas as circunstâncias, você assim como eu já deve ter passado por isso, veja...

Gosto de ficar doente...

Porque assim as pessoas me visitam com mais frequência.
Sou tratado com respeito e voz branda.
Me chamam mais vezes de “campeão” e “vencedor”.
Me levam comida na cama.
São mais gentis e prestativos.
Gestos de carinho são mais frequentes.
Palavras doces são mais ouvidas.
Recebo mais atenção.
Tenho a sensação de ser mais valorizado.
Todo cuidado parece pouco.
A vida parece ser mais fácil.
Me pedem mais vezes para passear de mãos dadas.
Me deixam assistir meus programas favoritos sem me questionar.
A paciência parece não ter fim.
Caminhar na areia fica mais suave.
Sou colocado no centro das atenções.
As outras coisas podem esperar.
Não existem outras prioridades.
Me perguntam se estou bem e não ligam se fico em silêncio.
Me chamam de lindo(a) mesmo com uma aparência horrível.
Não existe burocracia de sentimentos.
Não me negam cobertores e travesseiros.
O colo nunca é negado.
Assim como o sorriso.
Os cheiros não importam.
Nunca fico ou me sinto só.

Porque a vida não pode ser assim, sem termos que ficar doentes, porque o socorro chega apenas quando parece tarde demais, porque não fazemos isso tudo todo o dia com todos a todo o momento.

Porque enviamos socorro ao Haiti e Chile apenas quando esses estão sem para onde ir?

Vamos viver, seja qual a for a circunstância!
Filipenses 1:27

Festa do Chapéu.